Por Guilherme Carboni – Folha de S. Paulo
Muitas das críticas que vêm sendo feitas ao projeto de reforma da lei de direitos autorais brasileira (lei nº 9.610/98), encabeçado pelo MinC, pretendem passar a ideia de que o direito autoral estaria sendo minguado em prol de um certo “dirigismo” e “intervencionismo” do Estado nessa matéria, o que não é verdade.
O direito autoral, garantido aos criadores como direito privado pelos tratados internacionais e pela nossa Constituição Federal, não está sendo atacado no projeto de reforma. O que o texto do projeto procura deixar claro é que o direito autoral, como todo e qualquer direito privado, não é algo absoluto, devendo sofrer restrições em determinadas circunstâncias, especialmente quando o interesse público deve preponderar.
Além disso, ele deve dialogar com outros direitos fundamentais, como os direitos culturais, o direito do consumidor, o direito à educação e o direito de acesso à informação e ao conhecimento. A reforma pretende trazer um melhor equilíbrio ao sistema do direito autoral, harmonizando os interesses dos titulares de direitos com os da sociedade.
Para que se possa estabelecer um melhor equilíbrio, visando um melhor atendimento da função social do direito autoral e a promoção do desenvolvimento nacional, há que se alterar dispositivos da lei atual, alguns dos quais já foram assimilados por determinados segmentos do setor cultural, que, por isso, oferecem resistências às mudanças.
Novos institutos também devem ser criados, como é o caso das licenças não voluntárias, que tanta polêmica têm gerado, pelo fato de permitirem que o poder público conceda a um particular, devidamente legitimado, mediante sua solicitação, autorização para traduzir, reproduzir, editar e expor obras protegidas, desde que a licença atenda aos interesses da ciência, da cultura, da educação ou do direito de acesso à informação, em casos expressamente estipulados pela lei, sempre mediante remuneração ao autor ou ao titular da obra.
Na busca pelo melhor balanceamento, o projeto de reforma também amplia o rol das limitações de direitos autorais, que são aquelas hipóteses em que a lei permite a livre utilização de uma obra protegida, sem a necessidade de autorização dos titulares de direitos.
Nesse aspecto, há vários benefícios trazidos pela reforma, como a permissão da cópia privada (aquela feita em um único exemplar, para uso privado e sem intuito comercial); da reprodução para garantir a portabilidade ou interoperabilidade; da reprodução voltada para a preservação do suporte, tão importante nos projetos de digitalização de acervos; e do uso de obras para fins educacionais e de pesquisa.
A reforma mantém o sistema de gestão coletiva para o recolhimento de direitos autorais devidos pela execução pública de músicas, que é de responsabilidade do Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais), além de ampliá-la para outros setores, como o do audiovisual.
Antes da publicação do projeto de reforma, cogitava-se a criação de um instituto que teria um papel bastante importante na política autoral brasileira. Uma de suas funções seria a de fiscalizar o Ecad na distribuição de direitos aos autores.
Infelizmente, a proposta foi considerada “estatizante” (como se a gestão coletiva passasse a ser gerida diretamente pelo Estado) e o instituto não vingou. Portanto, fica aqui a pergunta: medo de quê?
GUILHERME CARBONI, mestre e doutor em direito civil pela USP, com pós-doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP, é advogado, professor universitário e autor do livro “Função Social do Direito de Autor”.
Guilherme, ninguém tem medo de reforma na lei . Aliás ele precisa e merece reforma tanto na lei quanto na aplicacação e nos orgãos que a fazem valer. O medo é: dá maneira como está se construindo a interpretação pode ser usada de maneira criminosa e único a perder é o AUTOR- justo o sempre preterido da cadeia dos que recebem
Outra coisa: você pode ser doutor mas compositor não é. O samba é outro.
Prezado sonekka,
Geralmente não intervenho nos debates, mas vale lembrar que o direito autoral não diz respeito somente aos “artistas”, mas também aos autores como o Guilherme. Outra coisa, sabemos que hoje quem mais lucra com a lei em vigor não são os autores e artistas, mas os detentores destes direitos. Entendo sua preocupação e compartilho dela, mas precisamos dialogar e encontrar um meio termo que não criminalize a sociedade e favoreça, de fato, os autores, e não apenas meia dúzia de “pop stars”. Obrigado por participar!
Ótima intervenção, obrigado por me lembrar. É bom que os pingos fiquem nos “is”.
Eu tenho visto as coisas rumarem mesmo no sentido do “cada um defende o seu”. O Tim Rescala defende os trilheiros que numa mudança de regra em que recebiam muito mais que os compositores de canções, passou a receber 1/12, obviamente subindo nas tamancas – e não tiro sua razão.
Os micro compositores-em resultado, não ém obra- como eu, recebiam “algum”, algo simbolico mas condizente, e que vinha de arrecadação de shows de baixa renda, também rodou sabe-se lá porque…
Nem rádios, que recolhem pelo roteiro acabam pagando , uma inadimplencia de suntuoso percentual, alem de recolhimentos indevidos ;
Todo mundo sabe que o que encarece o direito autoral no BRasil está no excesso de atravessadores, nas regras herméticas e ao invés de atacar o problema, estão criando novos problemas . O que eu to alertando e esse é o motivo da minha intervenção no post é que; estão criando uma nova lei que extingue o direito do autor. É tão facil de manipular comercialmente a nova lei que mais uma vez, quem vai pagar o pato, é o autor.
Peço licença para discordar, pois a proposta chega a ser conservadora para alguns setores. Ela mantém o monopólio privado sobre a obra por 70 anos após a morte do autor, ainda que os acordos internacionais nos obrigue a apenas 50. Também não concordo com a tentativa de taxação da fotocópia, a ser pago pelos estudantes, sobre um conteúdo produzido, em sua grande maioria, com dinheiro público. No caso da música temos outros conflitos…e você conhece muito bem….Mas a proposta em seu conjunto abarca muitos setores, atores e conflitos em uma unica lei. Não podemos generalizar. É preciso discutir ponto a ponto, de modo que prevaleçam os interesses dos autores e da sociedade.